Monday, June 21, 2010

Maximilien Aue

Há coisas que ficam por dizer. Ninguém conhece ninguém e todos nós temos segredos.

Às seis da manhã de domingo passado, regressava eu para casa no 28 Portela, depois da noite dos Santos Populares. O autocarro ia cheio porque toda a gente estava a regressar a casa.

Eu estava perto do motorista e no meio do autocarro, junto às portas, estava um tipo: o maior idiota à face da terra. Era mesmo um loser daqueles inconfundíveis.

Era alto, tinha a barba por fazer e falava alto propositadamente. Era o rei lá do sítio e mandava piadas em voz alta e ria-se para que todos o ouvissem.

Chegou até a implicar com um pobre de um bêbedo, que devia estar no lugar errado à hora errada, e foi um estronço de primeira. Ainda lhe espetou umas chapadas e esmurrou a cabeça do coitado contra o vidro do autocarro.

Tinha uns 25 anos e era um autêntico anormal. Toda a gente no autocarro estava incomodada com a presença dele.

Depois disto, ainda se começou a fazer a uma moça que por lá estava sentada. O pior engatatão de sempre. Com aquela postura de homem estúpido que quer claramente levar a rapariga para a cama e que sorri estupidamente e se arma em bom.

Ela ria-se e achava-lhe piada ou tinha pena (não consegui perceber). Chegou a paragem dela e ele pediu-lhe para não partir assim muito histericamente.

Ela foi-se embora, ele continou a ser o estrume do autocarro. Saiu antes de mim.

Quando cheguei a casa, quase às sete da manhã, masturbei-me a pensar nele antes de adormecer.

Imaginei que era a rapariga com quem ele tinha falado. Quando chegava a minha paragem eu dizia-lhe para sair comigo.

Convidava-o a subir e fodíamos que nem cavalos.

Quando tivéssemos terminado, pedia-lhe muito friamente para se ir embora. Dizia-lhe que o achava o maior anormal à face da terra e que tinha pena dele mas mais pena de mim por me sentir sempre atraída pelas pessoas mais losers e nojentas que existem no mundo.

Guess

Sunday, June 20, 2010

Portugal

Nasci em Lisboa a 19 de Fevereiro de 1986. Como todo o clássico lisboeta, nasci na Maternidade Alfredo da Costa.

Mudei de casa 5 vezes desde que nasci, num total de 4 localidades diferentes (todas em Lisboa ou arredores) e vivi 9 meses em Londres. A primeira coisa que me foi dita na primeira aula que tive em Londres, por um professor português, foi: "Às vezes, é preciso sairmos do nosso país para apreciarmos verdadeiramente o que deixámos para trás. Às vezes, é preciso comparar a nossa cultura a outra para percebermos a infinita e tão particular beleza da unicidade do nosso cantinho."

Ele tinha razão. Passei por várias fases de sentimentos em relação a Portugal no meu ano fora.

Em Novembro, apercebi-me da beleza da nossa língua.
Em Dezembro, já não aguentava mais com as saudades daquele pão magnífico, de tantas qualidades diferentes, que não existe em mais lado nenhum (não se não houverem portugueses a controlar o forno).
Em Abril, fiquei feliz por estar em Lisboa tanto tempo. Chegar e ir directa ao Zoo. A familiaridade do comboio, da faculdade, das ruas e das casas.
Em Maio, não podia com Portugal. A mentalidade do futebol, do fado e de Fátima. A pequenez.
Em Junho, o futebol de novo.

Irrita-me imenso o portuguesismo barato despoletado pelo futebol. Odeio a importância desmedida que o futebol tem neste país. Detesto ter de levar com camisolas do Benfica e cachecóis do Sporting nos transportes. Mais do que isso, odeio ter de ouvir as conversas sobre o jogo X ou o jogador Y. Constantemente, a toda a hora, falar de futebol em Portugal é o mesmo que falar do tempo nos elevadores de NY.

Odeio. Odeio e é um aspecto em que sou completamente crítica e elitista. Conheço várias pessoas inteligentes que gostam de futebol, mas se vejo alguém deixar-se consumir intensamente nas alegrias e agruras do futebol, assumo que é uma pessoa que devia ter melhores coisas para fazer da vida. É um julgamento da minha parte, é feio, mas é assim.

E então olho para este país, olho à minha volta e fico triste, porque a mentalidade do futebol grita-me pequenez aos ouvidos. Diz-me que as nossas gentes se agarram à bola para esquecer as desgraças do dia-a-dia, em vez de lutarem por mais e melhor. Diz-me que há muito mais portugueses a terem Cristiano Ronaldo como herói, em vez de escolherem António Lobo Antunes, João Garcia ou Teresa Salgueiro.

O país ter parado, literalmente, com a visita do papa também me amargou. Portugal é um suposto Estado laico, mas pelo visto tem acordos com o Estado do Vaticano. Houve pessoas a esperarem horas para verem o velhote passar. Velhote esse que há-de ter qualidades, certamente, mas que foi a África, um continente assolado pela SIDA, afirmar que a doença não se combatia com preservativos e cujo braço direito proclama que a pedofilia na Igreja está ligada à homossexualidade e não ao celibato.

Claro que me magoa olhar em volta e ver as minhas gentes terem comportamentos de adoração a alguém assim. A alguém assim ou a algum dos energúmenos dos futebolistas, que têm uma falta de vocabulário de bradar aos céus, para não falar nos pontapés na gramática e na estupidez natural para tudo o que não diga respeito à bola.

É pequenez. Existe em Portugal. Como há-de existir certamente em muitas outras nações. Mas com a pequenez deles posso eu bem.

Mas depois do Benfica ter ganho o campeonato, e estando o Mundial a passar-me completamente ao lado, lá me curei da alergia portuguesa. Não é preciso muito para ultrapassar tal coisa.

Houve o Bairro Alto e o rio Tejo, houve o Chiado e Alfama. Houve Belém e o Cais Sodré.

Houve os Santos, com tanta gente na rua, tanta tradição, tanta cerveja, o cheiro a chouriço e a sardinhas. Fado cantado na rua e trocas de galhardetes com estrangeiros.

Houve Aveiro e a ria e houve o Porto e as pontes. Houve os sotaques e as paisagens para lá das janelas dos comboios.

Houve uma festa de putos cujo tema era "Portugal no Mundo" e que me fez recordar do diferente que foi a história portuguesa no que toca a descobrimentos e impérios - como só no Brasil fomos colonizadores, nos outros lugares (e foram tantos!) misturámo-nos, conhecemos, partilhámos.

Houve uma festa de putos que me deu arrepios enquanto pirralhos de 5 anos recitavam Fernando Pessoa e estarolas de 10 proferiam versos d'Os Lusíadas.

E então lembrei-me do quão bela é a nossa língua, que descobri que só pode ser bonita aos ouvidos de um português (porque aos outros soa a russo e os brasileiros não entendem à primeira porque português fala para dentro). Lembrei-me de como me é tão vergonhosamente mais fácil ficar arrepiada com vozes a cantar em português do que a cantar em qualquer outra língua, porque há uma força qualquer que vem de dentro, que vem da alma lusitana, que nos transcende e faz com que o nosso corpo não aguente cantar sem fechar os olhos.

Lembrei-me do portuguesismo gritante de todos os nossos grandes escritores, presente em cada um à sua maneira. Em Camões, nas paixões desmedidas e no orgulho das Descobertas. Em Garrett, nos ideais liberais a contrastarem paradoxalmente com os valores tradicionais do campo. Em Eça, na mordaz crítica ao que é a sociedade portuguesa, sem tirar nem pôr (e ainda hoje é assim). Em Pessoa, no mundo imenso, no universo inteiro que vai naquela alma, que nada faz além de pensar e sentir.

Como é grande a nossa literatura. E como tanta da sua grandeza vem precisamente desse algo indefinível que faz de todos nós portugueses.

Não dá para esquecer as paisagens belíssimas que há de Norte a Sul, tão variadas. Quilómetros de praia, serras húmidas, serras secas, planícies a perder de vista, vales e cascatas. Cidades místicas, cidades mouras, aldeias de pedra, vilas pintadas a cal.

Portugal é pequeníssimo, mas é lindo. É lindo e de brandos costumes. É de brandos costumes e de bom cozinhar.

Tanta coisa errada que aqui há... Tão forte que é o apelo de uma vida melhor no estrangeiro... Mas português que parte quer sempre, sempre voltar e nunca vai sem ter o regresso em mente, por muito distante que esteja esse regresso.

Não dá para explicar. Todos os países têm uma identidade (ou quase todos, há uns quantos ainda a criar a sua), mas há algo de único na identidade portuguesa. Algo de único que nos faz a todos parar para dar indicações a estrangeiros, mesmo que não percebamos nada do que eles dizem e acabemos a puxá-los até ao sítio certo. Algo de único que nos faz a todos reclamar muito e fazer muito pouco. Algo de único que nos faz olhar de lado para o diferente, mas nunca fazer activamente nada contra a diferença ao ponto de nos habituarmos a ela e a aceitarmos. Algo de único que há na entoação das nossas palavras e na força com que confessamos os nossos sentimentos.

Nasci em Portugal, sou portuguesa. A cultura portuguesa está-me impregnada no sangue. Podiam tirar-me tudo, posso até viver o resto da vida lá fora (porque eu sou louca e por amor até no Nepal), mas nunca, jamais abdicarei da minha nacionalidade.

Para o bem e para o mal, eu vivo e respiro Portugal.



MJNuts

Friday, June 18, 2010

Adeus, Lost

Lost, se não estou em erro, acabou dia 23 de Maio. Espero que esta seja a última vez que falo sobre este assunto neste blog.

Já passou quase um mês desde que a série que segui, semana após semana, durante CINCO anos (porque só a comecei a ver quando a 2ª temporada estava no ar), acabou daquela forma tão gritantemente estupidificante. Como se personagem quase nenhum importasse, como se poucos ou nenhuns se conseguissem soltar daquele emaranhado de caos com um mínimo de resolução. Como se de repente os mistérios já não importassem, porque "a série sempre foi sobre os personagens". Ah sim? Então porque mal os reconheci nesta última temporada? O Sawyer que já não servia para nada. O Locke que já não era o Locke. O Sayid que estava pseudo-possuído. A Claire que passou a ser a Rousseau. O Ben que passou de psicopata a coninhas. Mas já falei sobre isso, não é?

O que quero dizer é que já passou quase um mês desde que o meu olhar incrédulo pousou sobre aquele horrível final, a fechar umas 5ª e 6ª temporadas fraquíssimas... E ainda me dói. Como me custa lembrar do quanto eu adorava aquela série. O quanto ela significava para mim. O quanto me liguei àqueles personagens (com a que se veio revelar infeliz excepção daquele mentecapto do Jack).

É ridículo, mas pelos vistos é possível apegarmo-nos a um pedaço de ficção. É possível criar uma ligação emocional com uma obra fictícia, que nada tem de real (e, no caso, muitas vezes nem de realista). Mas eu apeguei-me e nem sei porquê.

E agora que Lost se foi, não sei que fazer a este manto de desilusão que se instalou sobre mim. Não sei como resolver o facto de esta última temporada, em particular aquele desfecho, ter anulado as maravilhas intelectuais e emocionais que as quatro primeiras temporadas me trouxeram. Como é suposto eu ir ver a perfeição artística e humana que foi a season 1 sabendo que tudo vai dar àquilo? Não consigo. Talvez daqui a muitos anos.


O que eu não dava para ter gostado daquele final... Mas a minha racionalidade não me permite dar valor às despedidas emotivas atiradas a torto e a direito na nossa direcção, em detrimento da falta de sentido crassa de tudo aquilo. Sinto-me enganada. Ainda me sinto enganada.

E isto não sabe nada bem.

Como disse a Fish, num magnífico review que aconselho:


"It turns out it's not really much fun to hate on something that you once loved. It feels terrible actually."


É horrível. E ninguém parece entender-me.

MJNuts

Friday, June 11, 2010

Vejo-me com umas calças de ganga velhas e uma t-shirt branca, larga, gasta. Os ténis assentam-me na perfeição quando, se vistos sem mim, seriam considerados feios. A pele dos meus braços está morena, mas não muito, porque o Sol nunca pareceu lembrar-se que eu existo. O meu ombro esquerdo apoia-se languidamente no tronco rugoso da árvore. A mão direita esconde-se no bolso, o polegar de fora. Vê-se a unha, pintada de roxo, cheia de personalidade.

Há um jeito em mim. As costas não estão bem tortas, mas também não estão direitas. Os olhos fixam-se no chão ou no horizonte, mas qualquer que seja a posição, o cabelo cobre-me sempre o rosto.

É um cabelo lindo, que me faz sorrir e lembrar daquela longínqua vez em que proclamei que tinha "o cabelo mais fixe de sempre". Acaricia-me as orelhas e as têmporas, faz-me cócegas nos lábios, esconde-me o pescoço. É macio, mas está seco do Verão. Tem caracóis meigos que o Sol aloirou.

Tenho óculos-de-sol pousados na cabeça e a testa franzida. Às vezes mordo o lábio inferior. Outras, humedeço-o com a língua. Tenho um pauzinho de gelado na mão esquerda, que vou levando à boca para mordiscar.

O Mundo à minha volta é um silêncio de pessoas. À frente, estou a três passos de dar um salto imenso rumo ao mar. Oiço as ondas a bater contra as rochas lá em baixo, mas é um barulho suave, porque o mar está calmo, como eu. Vejo pássaros a sobrevoarem o azul, que soltam vocalizações aleatórias quando lhes apetece e não parecem mais do que traços pretos desenhados no infinito. A bola amarela impossivelmente fixa no céu enche o cenário de luz e de calor e de sentido.

Atrás de mim há vento e cheiro a terra. Sinto areias a roçarem em mim, quando há alguma rara rajada que se eleva com mais força. O carro ficou lá em baixo.

Sinto-me bonita e completa, parte do cenário. A mente parou para dar espaço aos infindáveis estímulos do exterior. Os cheiros que me consomem, os ruídos que me desligam, as visões que me despem de palavras.

Quando os meus olhos fixam o chão, sinto-me uma pessoa cheia de sorte. A Vida foi fantástica para mim. É fantástica para mim. Quando os olhos se fixam no horizonte, lembro-me do enorme que é o Mundo e dos milhões de pessoas que nunca poderei conhecer. Quando levanto os olhos para o céu, e sinto os óculos a escorregarem da cabeça, lembro-me do quão pequena sou eu.

E então oiço passos e uma cabeça pousa no meu ombro. Uma mão procura carinhosamente lugar no meu bolso vazio. Outra mão prende a minha t-shirt larga como se desejasse que eu não fugisse nunca. A minha mão esquerda age em nome do sorriso no meu rosto e repousa no punho agarrado com tanta força à minha t-shirt que ela fica amarrotada. Dou atenção a cada um dos dedos, um a um, até que eles relaxam e se soltam e se lembram que eu continuo ali. Continuo aqui.

Já passaram tantos anos.

"Vens, Maria?"

Desculpa, ainda não sei se o teu português vai ter sotaque.

"Eles estão à nossa espera."

Com um balanço, desencosto-me da árvore e dou meia volta. Beijo-te o nariz, ponho-te um fio de cabelo atrás da orelha e começo a caminhar a teu lado.

Sei exactamente quem eles são. Só faltas tu.

MJNuts

Wednesday, June 9, 2010

I would, I would. But you don't deserve it and that's what hurts the most.

MJNuts